domingo, 26 de abril de 2015

Hugo Boss*

Uma das coisas positivas de se ser teso é não ter no guarda-fatos nada que nos possa perturbar quando descobrimos que Hugo Boss, membro do partido Nacional-Socialista alemão, vulgo Nazi, confeccionou os uniformes das SS.
Não acho que os erros dos antecessores devam estigmatizar ou condenar os herdeiros (familiares ou empresariais) mais do que as leis da sucessão (e das compensações de guerra, quando aplicáveis) devam prever, e será difícil encontrar uma marca alemã que não tenha trabalhado para os nazis. Além disso, temos o também perturbador currículo asiático da Zara e das outras marcas low cost. Tudo isso merece ponderação, pois claro. Mas ainda assim, alivia, francamente, seguir uma linha de vestuário, pouco fashion que seja, que não teve Himmler como cliente emérito.


*Depois de ler um post de Rui Bebiano no Facebook.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Mil poetas

A Chiado Editora tem uma Antologia de Poesia Contemporânea que reúne cerca de mil autores. Sim, apenas mil. Julgávamos nós que Portugal era um país de poetas e a Chiado, propondo-se antologiar a raça, não encontra mais de mil. Que ineficiência. Que preguiça. Que falta de respeito pela veia pátria. 
Há quem defenda a editora dizendo que o magro número de antologiados se deve ao apertado crivo do antologiador, receoso de deixar a impressão de que ali entrava qualquer transeunte capaz de assinar o próprio nome, mesmo que com erros ortográficos. Receio absurdo, bem se vê, que na verdade conduziu à publicação de uma obra incompleta, pouco representativa da vivacidade lírica nacional.
É certo que o excesso de escrúpulo teve as suas vantagens: não há na antologia senão Homeros. O escasso número de autores assegura ao leitor o mesmo conforto que teve o organizador: em colectânea peneirada com tal minúcia é virtualmente impossível encontrar um poema mau.
A opção elitista da editora tem naturalmente desvantagens comerciais (o que dá uma certa nobreza abnegada à empresa, é de reconhecer). Sabendo-se que os leitores portugueses, na hora de comprar, são movidos sobretudo pela cumplicidade estética, pela afectividade intelectual e pelos laços literários que mantêm com os autores, está bom de ver que se venderão uns meros seis ou sete milhares de exemplares da antologia quando se poderiam vender pelo menos sessenta mil, se se multiplicasse por dez o número de antologiados. Reflectindo, aliás, mais verosimilmente a contemporânea arcádia lusitana.Dez mil poetas lusos* é o mínimo que uma antologia que se preze deve às letras portuguesas.

* De longas barbas e de braço dado a cantar eurovisivamente, à grega, “Good bye, my love, good bye”.

P.S.: Entre o Sono e o Sonho é o título da antologia da Chiado Editora. Entre o sono dos leitores e o sonho delirante dos autores, presumo.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Tolentino

Tolentino de Nóbrega, correspondente do Público na Madeira, quotidiano ilustrador do boçal caciquismo jardinista, era um exemplo do que é ser jornalista.
Morreu hoje, e eu, que admirava a sua coragem, tenho pena, muita pena, e remorsos de nunca ter escrito uma linha sobre ele enquanto vivia.
Para nós, continentais, era fácil lidar com o défice democrático da Madeira declarando, jocosa e unilateralmente (e mesmo assim sem darmos consequência às palavras), a independência da ilha. Era um lavar de mãos, que desculpávamos com as votações norte-coreanas de Alberto João. Tolentino era de outro calibre. Ao que consta, também ria muito, mas profissionalmente informava-nos, ano após ano, com uma coragem que nos devia envergonhar a todos, do desvario madeirense.
Devíamos ter percebido que cada artigo seu não era apenas uma notícia do ultramar, mas uma bitola para a dignidade. Nós sempre tivemos (e temos) os nossos próprios caciques, mas ao contrário de Tolentino fingimos que eles não existem ou contemporizamos.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

J. Rentes de Carvalho na RTP

O documentário de António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira sobre J. Rentes de Carvalho (www.tempocontado.blogspot.pt) passa nesta terça-feira, 7 de Abril, na RTP2, às 23h25. Quem puder, veja. Quem não puder, por uma vez use as opções de gravação de programas para algo útil.

(Notícia aqui e aqui.)



domingo, 5 de abril de 2015

A ascensão germânica

Há quem diga que todas as rivalidades dos anos 80 foram redimidas com o convite de Nena a Kim Wilde em 2002 para o remake de “Irgendwie, Irgendwo, Irgendwann”, incluído no álbum que celebrava os 20 anos de carreira da cantora alemã com o título “Anyplace, Anywhere, Anytime”. Mas a exegese do vídeo que acompanhou a canção deu azo a duas teorias diferentes. A primeira toma o gesto de Nena por um acto de piedade, não de conciliação. Contudo, embora a piedade não raro envolva sobranceria ou condescendência, pode-se ainda optar por ver ali apenas nobreza. «Vamos lá tirar a Kim da sua jardinagem por um momento e lembrar ao mundo como também ela cantava bem», poderia ter pensado a simpática Nena, num arroubo de caridade.
A segunda teoria, porém, não deixa espaço a ambiguidades destas. Os seus preconizadores consideram que os 3’44’’, apesar da boa prestação vocal de Wilde, são uma orquestrada humilhação que a raça ariana, representada pela esguia, jovial e saltitante Nena, perpetra sobre a melancólica e já pesadona Inglaterra. Eram, defendem, os primeiros sinais da ambição germânica que dez anos depois transbordaria do festival da Eurovisão para a economia e a política.